Vivi, mas Esqueci

Sidney Fernandes – 1948@uol.com.br

O homem não pode nem deve tudo saber. Pelo esquecimento do passado, ele é mais ele mesmo.

 Allan Kardec

Nas várias cidades por que passava uma companhia teatral, começaram a surgir casos de estupros e mortes de mulheres. Infelizmente, constatou-se que o criminoso era um ator que se revestia de tal forma das características de seu personagem a ponto de passar a cometer crimes hediondos. O ator permitia-se encarnar o cruel assassino.

Um ator pode assimilar intensamente a personalidade do personagem que representa, a ponto de confundir ficção com realidade? Normalmente não, pois na sua profissão o ator pode assumir vários papéis e continuar a ser ele mesmo. Há casos, no entanto, de desvios que demonstram confusão entre ficção e realidade.

O espírito, nas múltiplas existências que vivencia, não obstante encarnar em vários corpos, sempre mantém a sua individualidade, acumulando as várias experiências por que passou e jamais retrogradará. O honesto jamais será um ladrão, o virtuoso manterá a sua dignidade e, vencida a fase do egoísmo, o altruísta jamais abdicará de seus valores.

Da mesma forma que o desequilíbrio pode afetar o ator, a ponto de fazê-lo misturar ficção com realidade, lamentavelmente, muitos alienados mentais, internados em hospitais psiquiátricos, podem reviver personalidades de vidas anteriores.

O que normalmente é diagnosticado pela ciência médica como insanidade mental ou distúrbio psiquiátrico, muitas vezes representa tão somente o embaralhamento de percepções da vida atual com as de vidas anteriores.

Ainda que de forma rara, segundo O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, (questão 392) reminiscências do passado nem sempre contribuem adequadamente ao progresso do espírito. O esquecimento poupa o homem de recordações comprometedoras e indesejáveis, em relação às quais ele ainda não está devidamente preparado.

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Considerando-se não recomendável qualquer iniciativa em que se revolva o passado, não deveria ser evitada? Nem sempre o trauma inicial causador dos desagradáveis sintomas da atualidade — fobias, síndrome do pânico, distúrbios de comportamentos sexuais, transtornos obsessivo-compulsivos (TOC), depressão, ansiedade e outros — encontra-se na infância da vida atual, como defendia Freud. Às vezes remonta a períodos mais distantes do tempo e, às vezes, a vidas anteriores.

Ocorre o que poderíamos chamar de exceção à regra do esquecimento, quando espíritos superiores permitem que se levante parcialmente o véu do esquecimento, com um fim útil e jamais para atender vã curiosidade.

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Perguntei, certa vez, a Richard Simonetti:

— Mas o que me diz do esquecimento do passado? Não é ilógico pagar um débito cuja origem desconhece­mos?

Respondeu-me:

— Há várias razões para essa amnésia. Ela funciona em nosso benefício, principalmente quando somos cha­mados à reconciliação com os desafetos de vidas anterio­res. Conseguiria você abraçar um filho sabendo que ele foi odiado inimigo?

Fiquemos com Emmanuel:

Se estais submersos em esquecimento temporário, esse olvido é indispensável à valorização de vossas iniciativas. Não deveis provocar esse gênero de revelações, porquanto os amigos espirituais conhecem melhor as vossas necessidades e poderão provê-las em tempo oportuno, sem quebrar o preceito da espontaneidade exigida para esse fim.