Sobre Deus e Universo de Pietro Ubaldi – por Canuto de Abreu

INTRODUÇÃO

É meu primeiro impulso. Sinto-me devedor a DEUS, antes de tudo, do inestimável prêmio de ser contemporâneo de Pietro Ubaldi e, mais ainda, de haver sido o primeiro brasileiro, talvez, a conhecê-lo pessoalmente em Gubbio, onde fui para lhe apertar a mão e lhe ouvir a palavra.

Alguns Espíritas compreenderão de pronto o motivo desta ufania mística:

Para os homens amadurecidos de nossa geração, Pietro Ubaldi não é só um homem que toda a gente pode conhecer. É também o gênio que teve a missão de sintetizar a Filosofia Religiosa do porvir, cujos primeiros fundamentos foram lançados de 1857 a 1869 em Paris por outro gênio missionário, Allan Kardec. O gênio só alguns Espíritas podem conhecer, pois isso não depende de vontade de amadurecimento. Não basta, de fato, ser chamado à crença espírita para conhecer o nosso missionário, mas ser escolhido. Sei de muitos que teimam em ignorar o valor da obra de Pietro Ubaldi e o refutam. Esses naturalmente, ignorando o assunto, não compreenderão o motivo de minha ufania. Nem lerão estas linhas, aguardando o seu ensejo. É para estes que escrevo, dizendo-lhes quem é o autor e a obra ainda marginada.

O AUTOR

Principiou a ser conhecido de nome nos meios literários ítalo-brasileiros em 1944, quando editou A Expansão colonial e Comercial da Itália para o Brasil, desenvolvimento da tese de Doutor em Direito que ele defendeu com distinção em 1940 na Universidade de Roma.

No mundo filosófico apareceu em 1928 com L’Evoluzione Spirituale, ensaio publicado em série na revista romana Ultra. Conquanto os Espíritas experimentados já pudessem aí perceber o “médium” e a sua “crença espiritica” — pois o articulista afirmava ser “tangido a escrever em virtude dum impulso interior misterioso e indefinível”, e sentir ao escrever que “as idéias lhe acudiam como a revelação duma recôndita entidade” existente dentro “dele”, como revelação dum arcano íntimo”, conservando na memória subconsciente ou anterior à vida atual — a explicação do seu fenômeno e da sua crença podia encontrar-se, conforme o próprio autor do ensaio, dentro da Filosofia clássica, da Psicologia comum ou, se mais, do Misticismo religioso. Sua vocação missionária de médium revelador só se tornou positiva três anos depois. Antes e primeiramente ele teve de fazer duas renúncias. Renunciou aos bens da fortuna, que passavam de uma centena de milhões de liras bem consolidados, abrindo mão de seus direitos de co-herdeiro entregando seu quinhão de herança à família, a fim de ficar, ele só, franciscanamente pobre, e cristãmente livre para seguir a Jesus. Renuncia ao múnus de advogado que seu título de Doutor em Direito lhe assegurava em qualquer foro italiano, a fim de melhor servir ao Mestre sem outros clientes. E assim pobre, sozinho, sem profissão privile-giada, confiado em sua intuição, partiu certa manhã como um apóstolo, levando apenas a túnica e a sandália. Partiu no mesmo dia em que deliberou a dúplice renúncia. Subiu para o seu misterioso Destino em que só ele na Terra acreditava. E o mundo o julgou a seu modo, segundo a aparência. E como simples peregrino peni¬tente ganhou ao entardecer a estrada de Colle Umberto, destinada a entrar para a História do Espiritismo com o mesmo signo de luz da Estrada de Damasco na História do Cristianismo.

Pela madrugada, exausto de forças físicas, sentou-se numa pedra do caminho. E orou. Estava só dentro da noite estrelada e do silêncio ambiental, e sem rumo. Abrindo depois os olhos úmidos para contemplar o Céu imensamente distante, viu descerem duas Estrelas que, ao pousar no chão, tomaram a forma humana, transcendente e luminosa. As duas Entidades celestes marcharam em direção a ele. Não tardou a reconhecê-las, graças a memória espiritual. Foi a sua primeira visão na série missionária. Convidado, marchou entre elas, tendo à direita Jesus e à esquerda Francisco de Assis. E, caminhando, ouviu bem nítida e inconfundível a Voz do Cristo, que daí por diante, em seus escritos, passou a de-signar “Voz Dele” ou “Sua Voz”. Ficou desde então garantido quanto ao alimento do espírito. Para ganhar o pão diário do corpo “em trabalho material”, obteve em concurso a cátedra de inglês. em ensino secundário. E foi designado para o Liceu de Módica, no sul da Sicília. Ali sozinho, completamente desconhecido por dentro e sem se dar interiormente a conhecer a ninguém, era para todos uma figura apagada, um simples mestre-escola ginasial. Um modesto “Chico Xavier” italiano.

E ali esperou ordens do Mestre para iniciar a missão esboçada na estrada de Colle Umberto. Nas horas vagas, afastava-se do centro para um horto distante, onde se quedava, pensando em Jesus e nos grandes problemas teológicos ainda a resolver. Um dia, quando ali orava a Ave Maria, o Mestre lhe apareceu e lhe falou. Conversaram. Selaram uma aliança. Trabalhariam em solidariedade, um no Céu, outro na Terra, visando ao preparo da Humanidade “espiritualizada” e destinada a ingressar no Terceiro Milênio Cristão. Na noite de Natal de 1931, Ubaldi recolheu-se a seu quartinho de pensão familiar; no qual havia apenas uma cama, uma cadeira e uma pequena mesa. O frio era forte e a cela não tinha lareira. Pensou em deitar-se para desprender-se. Mas veio-lhe o impulso irresistível para escrever. Sentou-se à mesinha e orou. E suas idéias se foram dissipando como trevas espancadas suavemente por uma luz que se aproxima. De repente ouviu aquela Voz inconfundível, a “Voz Dele”.

“No silêncio da Noite Sacrossanta,

Escuta-me! Relaxa tudo o mais

O saber, as lembranças, a ti próprio.

Esquece tudo! Entrega-te Vazio,

Sem nada, inerte, à voz que é minha

No mais completo silêncio do tempo e do espaço

E assim vazio, escuta a minha voz

Ela te fala: – Surge! E diz : sou eu”.

Foi assim que principiou o seu mandato. “Surge”. E ele surgiu de fato nessa obra. Esta primeira e outras “Mensagens Espirituais” lançaram Pietro Ubaldi à missão reveladora. E isso se deu — como estava previsto na história oculta e ainda inédita do Espiritismo Kardequiano — ao fim da terceira geração espírita. Publicada em março de 1932 na revista “Alfa” de Roma, essa encantadora comunicação, cujas primeiras linhas traduzimos acima, assegurou desde logo a Pietro Ubaldi lugar de destaque na vanguarda do movimento espírita mundial. Analisada especialmente pelos dois mais abalizados e doutos espiritualistas da Itália — Bozzano e Trespioli — foi considerado pelo conteúdo e pela forma de pura origem espirítica, e de elevada procedência espiritual, acima da fonte comum. Daí por diante a fama do médium foi de “crescendo em crescendo”. A segunda Mensagem, na Páscoa de 1932, e sobretudo a terceira, no dia do “Perdão” da Porciúncula” (2 de Agosto de 1932) ressoaram de maneira inusitada. Jornais e revistas profanos e folhas espíritas e espiritualistas de vários pontos da Europa transcreveram essas comunicações superiores, atribuindo-as sem a menor reserva à inspiração de Jesus. A própria Igreja Católica, por seus mais altos dignitários italianos, as aprovou. No Brasil — onde se dará a eclosão da Reforma — tiveram ampla e profunda repercussão. Essas três Mensagens, depois de transcritas no Correio da Manhã, em A Pátria, noutros diários estaduais e em quase todas as folhas espíritas do País, apareceram em livro em 1934, editado pela Federação Espírita Brasileira e espalhado gratuitamente. Na Itália, a exemplo do Brasil, também se enfeixaram num folheto em 1935. Mas, a par das Mensagens que falavam ao coração, começou Pietro Ubaldi, em Janeiro de 1932 (início da quarta geração espiritual) a receber e a publicar em série, na revista milanesa Ali del Pensiero (Asas do Pensamento), a obra monumental e inigualável intitulada A Grande Síntese, com a qual ingressou brilhantemente no rol dos grandes filósofos da atualidade e dilatou as bases científicas do Espiritismo. A primeira edição italiana, em 1937, esgotou-se rapidamente e constitui hoje preciosidade de colecionadores. Vieram em seguida outros livros, outras mensagens, outros escritos, tudo visando à exegese e à complementação dos diversos tratados existentes em gênero ou em germe em A Grande Síntese. E agora foi impresso no Brasil, em primeira mão, a obra marginada, Deus e Universo, décimo livro da série, que acabo de ler em original por finíssima gentileza e alta deferência do autor.

O que veio a lume com o título Deus e Universo, é uma grande síntese teológica”, cuidando das causas primeiras e finais. A meu ver, constituirá o “elo central” que ligará A Grande Síntese ao livro prometido, ainda não escrito, e intitulado Cristo. Esses três livros monumentais – A Grande Síntese, Deus e Universo e Cristo – serão, penso eu, os vértices do Triângulo Religioso da III Revelação, que será simultaneamente científica, teológica e cristã.

De tal livro… Minha estultícia não me leva ao ponto de sequer tentá-la.

A Crítica

Deus e Universo é obra acima de minha capacidade de compreensão. Cada homem tem seu limite de entendimento. E o meu limite é demasiado estreito para apreender em espírito e verdade as lições profundas desse trabalho transcendental Li-o com emoção crescente. Li-o mais com o coração que com os olhos. Reli-o mesmo em parte, continuarei a lê-lo na tradução. Mas (ai de mim) como o transeunte pobre que pára extasiado diante duma vitrina de joalheiro, não sabendo sequer avaliar o preço das preciosidades, namora-as por fascinação; cobiça-as por ambição; pode até pensar em furtá-las. E afasta-se pesaroso, com a” mente cheia de fantasias, ciente de que não tem a moeda necessária para a aquisição. Sinto porém que todas as lições são da mais pura qualidade.

E sei por intuição e pela história oculta que vieram uma a uma diretamente do Céu, trazidas ao Mundo pela própria “Voz Dele”, destinadas a enfeitar um dia o Templo Espiritual que o Cristo erguerá no Terceiro Milênio. Templo onde “Sua Voz” será “ouvida por muitos e não como hoje, apenas escutada por Pietro Ubaldi. E ao ouvi-la, muitos crentes ficarão em dúvida se escutarão a voz do “Eu sou” — ego central do Universo, ou o “Sou Eu” — ego do Cristo. Pois um e outro serão talvez a mesma pessoa para a humanidade espiritualista e Remida do Porvir.

CANUTO DE ABREU