Pedagogia do Silêncio ou talking cure?

E ele lhes disse: Que palavras são essas que, caminhando, trocais entre vós, e por que estais tristes? ¹

Realmente, atingíramos um momento singular na história da sociedade contemporânea. Todos temos vozes.

O homem do século 21, além de portador da voz, tem pressa. Tem desejos. Tem anseios. Tem sentimentos contraditórios que o promove a um status de “ser” singular, ativo, participativo, atuante e conectado. Entretanto, é notável que falamos demais e não dizemos nada. Opinamos a respeito de tudo e não fundamentamos nossos argumentos. Damos publicidade de nossos atos, gostos e opções, como se fôssemos celebridades, porém, somos incógnitos.

De tanto falar, quase não nos escutamos, afinal, barulho demais incita-nos à irritabilidade. Estamos no ponto alto para um colapso no campo das relações sociais, sobejamente virtuais.

Na contramão desse ambíguo comportamento social contemporâneo sabemos que existem realidades e situações que precisariam ter sido denunciadas, escancaradas, divulgadas, todavia, o silêncio fez-se e, ainda se faz presente, abundante e sádico.

A pedagogia do silêncio é prática comum e recomendada em muitos ambientes, principalmente religiosos. O silêncio, egóico, não é, nunca foi ou será salutar. De tanto silenciar, as pessoas desistem dos sonhos, das lutas, das realizações, dos ideais e perdem-se em suas noites mudas e cruciantes. Enfraquecem-se.

Numa ocasião ou noutra, defende-se o pressuposto mandatório do jargão: “O silêncio é uma prece”. Urge, porém, uma reflexão:  a pedagogia do silêncio infligido interessa a quem e para quê?

De tanto emudecer, o homem de bem jaz sem voz, taciturno, abatido e invisível. De tanto silenciar, fatos como “O Horror de Abadiânia”, perpetuaram-se, sob inúmeras vistas e empedrados lábios. Pela prática do silêncio, muitas instituições submetem-se a dirigentes manipuladores e dirigidos mudos. De tanto silenciar, o homem adoece, somatiza traumas, cristaliza emoções, materializa a enfermidade e extenua a vida física até a morte.

A proposta terapêutica do Ancestral Amigo é contemporânea: “Que palavras são essas que, caminhando, trocais entre vós, e por que estais tristes?”.

É importante, nas horas apropriadas, dispormos de ombros amigos para verbalizarmos nossas contrariedades, angústias, tristezas e insatisfações. Nós que sabemos articular a voz, precisamos aprender a expressar nossas emoções, senão adoeceremos por intoxicações afásicas. Nossas angústias precisam ser verbalizadas, caso contrário não haverá cura!

Jesus, nas anotações de Lucas, na passagem contida no capítulo 24, versículo 17, intitulado A caminho de Emaús, posiciona-se como o Sublime Terapeuta, aquele que extrairia da boca dos discípulos as angústias, fazendo-os falar e, posteriormente, consolando-os e libertando-os de tais sentimentos.

É tempo de falar, é tempo de curar, fale daquilo que te magoou, que te sufocou, que te oprimiu, visto que, quando não encontramos palavras para aparelhar nosso anseio, possivelmente, caminharemos para adoecer, pois a tristeza realimentada não é boa conselheira. É a cronificação da tristeza que extingue toda a configuração de vida e o alento que há nas criaturas. É a tristeza mórbida e continuada que nos mata. Não estamos mencionando aqui sobre as eventuais tristezas, ou seja, as temporárias, que todos experimentamos.

É inegável que existe em nós uma intensa, constante e vigorosa atividade inconsciente. Calar as angústias não significa que essas foram assentadas, porém, sabemos hoje que, nossas memórias são arquivos das experiências que se alojam nas estratificações da consciência, movimentando-nos fluxos e refluxos de emersões e submersões determinando nossas escolhas.

Que saibamos dar vozes as nossas reais percepções e optemos por construir uma consciência mais lúcida para espelhar as nossas reais necessidades ante os desafios da vida.

Jane Maiolo