Onde Houver Ódio, que eu Leve o Amor

A chamada Oração de São Francisco, também chamada de Oração da Paz, é na verdade um texto surgido pela primeira vez em uma publicação francesa de 1912, e que atribuem essa relação com Francisco de Assis (1182-1226) não apenas pelos ideais ali esposados, mas pelo fato de em 1916 esta oração ter sido impressa em Roma com a foto de Francisco de Assis no verso. Independente da razão, o fato é que esse texto se consolidou como ligado a essa personalidade.

Um texto singelo, convidativo, que traz uma visão de oposição, mas de forma diferente, como um tipo de completude, de forma que diante de várias mazelas do mundo, pedimos a Deus que sejamos a solução, e que pelas nossas mãos se suplante esse mal, mas de uma forma leve, cândida como era o homem de Assis.

Permitam-me explicar um pouco melhor… Quando a oração fala de cada problema da natureza humana: o ódio, a ofensa, a discórdia, a dúvida, o erro, o desespero, a tristeza e as trevas, ela propõe que o mesmo homem seja o instrumento apaziguador, mas que faça isso de forma leve, serena, combatendo o mal com o bem, com as armas próprias dessa visão, convertendo-nos em instrumentos da divindade. O único pedido é que tenhamos essa potencialidade.

Deus age assim também de forma leve, não interventiva. Ao invés de agir de forma abrupta, se utiliza de nós, encarnados, que nos dispomos a isso, para que sejamos o caminho para a construção desse mundo novo, substituindo o ódio pelo amor, em uma visão bem consoante com o nosso livre arbítrio trazido na forma de O Livro dos Espíritos, em uma visão evolutiva, que nos mostra uma estrada que seguimos sem tutela, mas amparados pela providência divina.

O mundo é ruim? Decepcionante? Acreditamos que estaríamos em melhor situação agora? Temos elementos para superar isso em nós mesmos: basta estarmos disponíveis para nos sintonizarmos com a divindade, e sair para semear coisas boas que suplantem essas coisas ruins. Não é um discurso vazio de autoajuda. É entender que o futuro é construído por nós, e que não basta ser bom, nos cabe fazer o bem, como lembra Kardec. Somos todos interdependentes, seres da criação, como relembra a vida de Francisco de Assis.

Jesus também nos lembrou dessas verdades, quando nos citou como Sal da Terra, e Luz do Mundo, cabendo a reflexão que toda essa decepção atual com a humanidade encarnada, capaz de coisas deploráveis, é permeada também de atos maravilhosos gerados pelas mesmas mãos humanas. O mundo já foi pior, e mesmo na noite mais escura, se levantou o sol de Assis para nos iluminar.

Francesco, o bardo de Assis, o Irmão Sol, que nos inspira, um homem que mudou de forma leve a religião predominante em seu tempo, e que hoje pela primeira vez é o título do representante máximo dessa denominação religiosa, foi um contraponto de uma Idade Média de guerras religiosas, ignorância, perseguições e deturpação da mensagem do Cristo. Hoje é lembrado, de forma minimalista, como protetor dos animais.

Seu abandono daquelas roupas velhas – e digo aqui, roupas no sentido espiritual –, não se deu de forma violenta, mas sim pelo exemplo, pelo trabalho e assim ele lançou a semente do resgate dos ideais do cristianismo, do humanismo, distante de um ideário de pompa e de metais preciosos, como exercício da religiosidade.

Outros assim o fizeram. Podemos citar Gandhi (1869-1948), que em um mundo mais próximo da realidade na qual vivemos hoje, soube fazer da mudança política necessária diante do jugo colonizador, algo permeado pela ideia de não violência (A-Himsa), exemplificando que é possível mudar, sem deturpar seus ideais, sem se tornar aquilo que você mais abomina.

Em mais um dia quatro de outubro, no qual se comemora o dia de Francisco de Assis, a sua mensagem – não como apenas o protetor dos animais, mas sim como o gigante que enfrentou a ordem estabelecida com a paz de suas palavras – se faz mais uma vez necessária. Um mundo em ebulição, em mudanças, em conflitos, de extremos e de violência manifesta. Ao que nos convida o Sol de Assis?

Nos convida a um agir de forma leve, buscando levar amor onde houver ódio, e sobre as trevas, fazer a luz. Mas sem com isso deixar de ser amor, de ser luz. Esse é o desafio Franciscano, de nesses tempos difíceis, se fazer ativo na luta do bem, mas não empunhando armas, não combatendo, palavras que por si só contrariam a lógica do Cristo. Mas sim amparando, consolando, orientando e exemplificando. Seguindo as pegadas do Cristo em um mundo de chips e DNAs, mas também de homens e mulheres, com suas lutas interiores, que remontam às mais distantes eras.

Marcus Vinicius de Azevedo Braga