Meu  Amigo Obsessor

Logo que adentramos nos domínios do espiritismo, rapidamente nos deparamos com a temida figura do obsessor. Aprendemos, o quanto antes, que estes são irmãos que atuam sobre nosso psiquismo, à revelia de nossa vontade, mediante convites feitos por nós mesmos. Somos os anfitriões da festa em que eles tocam suas músicas. Mesmo diante da colocação de que somos sempre co-responsáveis por nossa sintonia, seguimos temendo-o, fugindo, evitando e encaminhando esse irmão para a luz o mais rápido possível.

Conforme vamos avançando nas literaturas da doutrina, histórias luminares apresentam, exemplo após exemplo, imagens tão próximas e humanas desses irmãos que, aos poucos, vamos sentindo nosso coração reconhecer neles o amigo magoado de outrora. Aquele de quem sentimos uma desconhecida saudade, a perda que nunca superamos, mesmo diante de séculos de distanciamento.

Uma insuspeita ternura invade o coração, e aquele temor antigo não se faz mais presente quando nos damos conta de suas presenças. A vontade impaciente de encaminhá-los para tratamento espiritual parece respirar mais devagar. É aí que flores luminosas começam a desabrochar em nossos corações. Florescem em pétalas de compreensão e de um olhar compassivo diante de resmungos, ameaças, xingamentos, choros convulsivos ou, mesmo, um rosnar inesperado.

Enquanto encarnados, perdemos a noção do obsessor que existe em nós. Em grandes porções ou em partes ínfimas, essa manifestação certamente repousa nos cantos escuros de nossa consciência. Na caminhada da individuação do princípio inteligente, precisamos todos passar pelos inevitáveis arcabouços do egoísmo. Egoísmo este que não nasce do mal em si, mas das necessidades instintivas que guardamos dos nossos estágios evolutivos anteriores. De maneira natural e necessária, precisamos conservar parte da porção animal ainda presente em nosso ser. Nos despojando aos poucos dos instintos, vamos galgando o sonho de, quem sabe um dia, sermos realmente humanos.

Todos já passamos por essas trilhas. Quase todos ainda seguem por elas. Somos feitos dessa mesma substância: viver, experienciar, errar, aprender, ensinar.

Que o Senhor Deus, por meio da prática bendita da mediunidade, siga nos oportunizando esse aprendizado no contato com lindas histórias de perdão, de cura, de redenção. Que diante de nossos amigos obsessores, sejamos o colo que acolhe, o olhar que respeita, a palavra que acalma, a oração que eleva, a presença que aceita e sabe esperar.

Sejamos a fé que reside na absoluta certeza de que existe uma Ordem e uma Sabedoria maior, que a tudo rege e cuida com infinita misericórdia. Segundo Ela, todos iremos florescer, cada um a seu tempo, unidos e entrelaçados pelas teias da irmandade. Movidos pelos nossos corações – magnetos invariavelmente atraídos pela luz – haveremos de ser espelhos incontestes de nosso Pai.

Meu irmão, meu velho amigo obsessor: que eu saiba te esperar com paciência, amor e companheirismo – os mesmos sentimentos que tantos outros irmãos nutriram enquanto esperavam por mim um dia, ou ainda esperam até hoje…

Assim seja!

Daniela Migliari

(Daniela reside em Brasília, é jornalista e mãe de três filhos)

Originally posted 2017-02-07 16:40:57.