Mediunidade é Doença?

Sidney Fernandes

Fábio Magalhães trabalhava como engenheiro de software durante o dia e era o principal guitarrista de uma banda. Certa ocasião, ao transportar alguns equipamentos pesados para um show, teve um súbito mal-estar. Entendeu que era excesso de trabalho e cansaço. Dias depois, a situação se repetiu e se agravou, obrigando-o a procurar assistência médica.

O médico achou que Fábio tinha uma pequena infecção pulmonar que logo passaria, mas não passou. Estava cada vez mais cansado e sem fôlego. Consultou outro médico, que pediu radiografia de tórax, explorando problemas pulmonares. Nada foi encontrado. Os resultados vieram normais.

As coisas começaram a piorar a ponto de impedir que ele trabalhasse e tocasse com o grupo. Dormia o dia inteiro e ficava sem ar ao mínimo esforço. Subir uma escada era muito difícil e demandava enorme tempo. À noite, sentia-se sufocado e não conseguia inspirar ar suficiente. Por falta de apetite, Fábio perdeu sete quilos.

Quando mais desalentado se encontrava, uma conversa entre Joyce, sua esposa, e Maria, a auxiliar doméstica, acendeu tênue luz naquela escura situação.

— Por que a senhora não leva “seu” Fábio ao nosso centro espírita? Os médicos espirituais têm feito milagres.

Depois de procurar tantos médicos, sem qualquer melhora, Fábio aceitou a sugestão imediatamente. Embora não fosse espírita, sempre acreditara nas forças da espiritualidade.

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Temos agora, amigo leitor, que fazer uma pequena pausa. Vamos examinar duas hipóteses para a consulta espiritual a que Fábio se submeteu, no centro espírita indicado por sua auxiliar Maria.

Primeira hipótese

Amparado por Joyce e Maria, Fábio entrou, vacilante, na sala destinada ao atendimento inicial. Logo foi chamado pelo dirigente para uma conversa. Assim que conheceu os sintomas de Fábio, o atendente informou:

— Meu amigo. O seu problema é mediunidade.

Sem mesmo entender bem o que estava acontecendo, o doente foi colocado junto de vários médiuns, em volta de grande mesa de madeira para “desenvolver” sua suposta mediunidade.

Vamos resumir os acontecimentos. Os problemas de Fábio se agravaram, a ponto de ser internado com urgência em unidade hospitalar para suprir a falta de oxigênio, que o estava levando à morte.

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Não raramente se apresentam, nos centros espíritas, pessoas com mudança repentina de humor, desentendimentos injustificáveis, ideias absurdas sem origem definida, doenças que aparecem e desaparecem sem razão de ser, visões e sons misteriosos e aparições que vêm e que vão, que podem ser considerados, depois de constatada sua veracidade, fatos de origem mediúnica.

No entanto, a prudência e os princípios fundamentais da Doutrina Espírita determinam muito cuidado no trato dos problemas que são apresentados nas entrevistas fraternas que recepcionam novos frequentadores.

Infelizmente, a atitude leviana do dirigente de nossa suposta primeira hipótese de atendimento é muito mais frequente do que se pensa. Por falta de conhecimento doutrinário, muitos ainda entendem que mediunidade é sinônimo de doença, desequilíbrio e até de desordem mental.

Centro espírita que se preze jamais deverá abdicar da medicina tradicional. Os tratamentos magnéticos e espirituais precisam ser considerados como complementares ao atendimento médico.

No século XIX, Allan Kardec sofreu muitas críticas, porque dirigentes ignorantes ou inescrupulosos consideravam a manifestação mediúnica como panaceia para todos os males, inclusive para casos de alterações mentais.

Qual deveria ter o atendimento adequado de uma casa espírita bem orientada, para o nosso paciente Fábio?

Segunda hipótese

Amparado por Joyce e Maria, Fábio entrou, vacilante, na sala destinada ao atendimento inicial. Logo foi chamado pelo dirigente para uma conversa. Assim que conheceu os sintomas de Fábio, o atendente perguntou:

— Meu caro amigo. Você já procurou atendimento médico?

Fábio desfiou o rosário de consultas e exames a que havia se submetido, sem sucesso.

— Façamos o seguinte — falou o dirigente. Vamos encaminhar seu nome para nosso grupo de atendimento, que se reúne durante a palestra doutrinária que vai acontecer. Ao final da reunião, você tomará um passe magnético, que poderá ajudá-lo.

Terminados os trabalhos da noite, Fábio foi procurado pelo mesmo dirigente, que assim o orientou:

— Os espíritos entenderam que seu caso precisa de tratamento material adequado. Nesse grupo de atendimento, um dos participantes é médico. Ele sugeriu que você procure pneumologista de sua confiança, cujo nome e endereço vou lhe passar agora. Se você permitir, amanhã cedo ele telefonará para o colega, passando mais detalhes do seu caso.

Nova consulta

No dia seguinte Fábio estava diante do Dr. André, o médico indicado, que, imediatamente, ao examinar a radiografia supostamente normal, encontrou algo anormal. O pulmão de Fábio tinha uma leve sombra cinzenta, como se coberto por um véu, facilmente confundido como imagem subexposta. Aparentemente, o ar poderia ter sido substituído por líquido inflamatório.

Dentre as várias causas aventadas, uma delas foi a de substância alérgica. O médico o crivou de perguntas para identificar o gatilho de suas crises. Depois de muitas tentativas, suspeitou que, talvez, o foco estivesse nos novos travesseiros recheados de penas, que a esposa havia comprado alguns meses antes. Como Fábio dormia de bruços, ficava com o rosto enterrado no travesseiro.

Dr. André recomendou imediata substituição dos travesseiros e lhe receitou esteroides para diminuir a inflamação. Os remédios lhe trouxeram melhoras em dois dias e bastaram algumas noites com o travesseiro novo para que sumissem todos os sintomas de Fábio.

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A Doutrina Espírita é o porto seguro para o diagnóstico da sensibilidade mediúnica. Os bons espíritos podem nos ajudar, quando merecemos, em qualquer situação. No entanto, eles assistem aqueles que fazem de tudo para se melhorar. Fábio era uma pessoa boa e honesta, e seus esforços o fizeram merecedor do auxílio que o levou à cura.

Enganam-se, no entanto, os que atribuem somente aos espíritos a causa de suas dores. Mediunidade é sensibilidade e não enfermidade. Devemos evitar atribuir à ação direta dos espíritos todos os dissabores que podem acontecer. Muitas vezes, eles são a consequência da negligência, da imprevidência ou simplesmente da falta de competência dos homens.

Fiquemos com Emmanuel:

Transformemos nossas misérias em lições. Identifiquemos o monturo que a própria ignorância amontoou em torno de nós mesmos, convertamo-lo em adubo de nossa “terra íntima” e teremos dado razoável solução ao problema de nossos grandes males.

Referências: Qual foi o gatilho?; artigo de Seleções Reader’s Digest, fevereiro/2021; Por quê? – O Espiritismo responde, Sidney Fernandes; Pão Nosso, Emmanuel; Ação e Reação, André Luiz; O Livro dos Médiuns, Allan Kardec.