Logo Estarei com Você…

Sidney Fernandes

Duas histórias bem semelhantes, mas com finais diferentes. Ambas se passam na França do século XIX. Qual você prefere? A do desfecho triste ou a do final feliz? Embora sejam os textos mais dramáticos e tormentosos que nos ensejam mais reflexões e ensinamentos, é justo que você, caro leitor, chegue ao término destas linhas mais feliz do que quando as começou.

***

Um jovem de vinte e um anos, que morava numa vila perto de Paris, gravemente enfermo, sentindo chegar o momento da sua morte, chamou sua mãe para abraçá-la. Desesperada, vertendo lágrimas, ela lhe disse:

— Vá, meu filho, na minha frente, não tardarei a segui-lo.

Ela saiu do recinto, atormentada, escondendo a cabeça entre as mãos. Os presentes consideraram suas palavras como natural explosão de dor de mãe, que o tempo e a razão acalmariam. Infelizmente, tendo o doente falecido, encontraram-na morta nos fundos da casa.

Dias depois, o filho manifestou-se em uma das reuniões da Sociedade Espírita de Paris.

— Você tem conhecimento da morte de sua mãe, que se suicidou, não suportando o desespero de sua perda?

— Sim. Lamentavelmente ela retardou por tempo indefinido o nosso reencontro, que ocorreria rapidamente, se ela houvesse se submetido à vontade do Senhor.

Mais tarde, manifestou-se a mãe do jovem, buscando seu filho. Embora ambos estivessem ali presentes, ela não conseguia vê-lo ou ouvi-lo. Assim que tomou ciência da sua situação, julgando-se no inferno, e o filho no céu, pensou que jamais o veria e que ele estivesse perdido para sempre. Aquietou-se ligeiramente quando ouviu as seguintes palavras do esclarecedor:

—  A morte do seu filho era uma prova para a sua resignação. No entanto, Deus é misericordioso e sempre acolhe o arrependimento do culpado. Embora exista, neste momento, uma barreira que a impede de sentir seu filho, não pense que ele esteja perdido pela eternidade. Ele a vê, a amará para sempre e aguardará, pacientemente, o momento feliz em que lhe será permitido o ansiado reencontro.

Um pouco mais consolada, a mãe assim encerrou sua comunicação:

— Meu Deus, perdoe-me por ter duvidado da sua justiça e de sua bondade. Se estou sofrendo, é porque mereço. Arrependida, submeto-me à sua vontade.

***

O homem-jovem de vinte e nove anos, atraente, belo e rico, recusara-se a casar, à espera de indefinível consorte que um dia surgiria, trazida por incerto destino.

Mas, agora o nobre francês estava apaixonado…. Por uma morta! Isso mesmo, o caro leitor leu perfeitamente. Por uma mulher que já havia passado para o outro lado da vida.

O primeiro sinal da presença invisível foi um leve sussurro, desses tão sutis que somente podem ser percebidos com o silêncio da noite.

Depois foi o bilhete. Não reconheceu sua letra, nem as palavras que pareciam ter vindo do além, em singular psicografia. O conteúdo tinha por intento afastá-lo de uma de suas pretendentes.

Mais adiante o piano. Ouviu, como gotas de chuva caindo numa bacia de prata, uma escala musical. Mas, a essa altura, esses prodígios não mais o espantavam. Num vapor luminoso, esboçou-se a sombra encantadora de uma menina-moça. Sem forma material, ela condensou-se de forma a tomar a aparência de uma figura viva, mas etérea.

Naquela noite, viu-se perdido de amor por aqueles olhos azuis que brilhavam ternamente, numa doçura celeste que penetrou seu coração. A intensidade da luz que ela deixou escapar arrebatou-o definitivamente.

A partir daquele momento a sua vida tornou-se difícil. A distância entre ele e o perfume, a beleza e a suave presença daquela entidade maravilhosa passaram a ser quase insuportáveis, e a vida solitária em sua confortável residência, antes tão agradável, agora o incomodava.

Quando a loucura começou a ameaçá-lo, surgiu-lhe a grande ideia. Se a amada não poderia, naquele momento, revestir-se de corpo material e vir participar de sua vida, a não ser como uma visão, caberia a ele despojar-se do grosseiro envoltório corporal e partir para a espiritualidade.

Quando se preparava para o absurdo e extremo gesto, a jovem entidade surgiu em sua frente, assustada e suplicante:

— Não se mate para vir comigo. Se você morrer assim, estaremos separados por tempo indeterminado. Suporte a vida e uma dia venha para mim.

Em seguida, o espírito estendeu suas mãos sobre a cabeça do jovem francês. Ele sentiu, descendo, uma calma e uma frescura celestial, que o tranquilizaram.

Resignado, aguardou o momento certo em que Deus lhe permitiria encontrar a amada e com ela pudesse se unir em radiosa e celeste alegria.

***

A vida é uma dádiva divina. Por maiores que sejam os atrativos celestes, e por mais que nos pareçam íngremes as escaladas terrenas, jamais poderemos atentar contra a existência física. Aqueles que, inadvertidamente, ousam desafiar as leis divinas, a pretexto de reencontrar seus entes queridos, não têm ideia de que estão adiando, por tempo indefinido, o ansiado reencontro.

Imaginar que a morte nos reserva a concretização de nossos sonhos de felicidade é equívoco perigoso. Será feliz no além quem morrer em paz com a vida, ainda que enfrentando tormentos. Para tanto é fundamental o empenho em cumprir os desígnios divinos, cultivando o Bem e aproveitando, integralmente, as oportunidades de edificação da jornada humana, realizações que passam longe do suicídio.

Richard Simonetti

REFERÊNCIAS

O Céu e o Inferno, Allan Kardec (FEB); O ignorado amor, Théophile Gautier (O Clarim); Suicídio, tudo o que você precisa saber, Richard Simonetti (Editora CEAC).

Sidney Fernandes (1948@uol.com.br) nasceu em Bauru, em 1948. Gerente do Banco do Brasil e Empresário, hoje está aposentado e se dedica integralmente à veiculação do Espiritismo. Participou ativamente da Mocidade Espírita até integrar-se ao Centro Espírita Amor e Caridade de Bauru (SP). Escritor e orador profere palestras em várias cidades brasileiras. Veja página deste Autor