Ideia Fixa

Cada um de nós é responsável pela criação do seu próprio mundo mental. Recebendo os estímulos que a vida nos oferece, construímos por conta própria as interpretações e os juízos de valores para as pessoas, os objetos e as situações que nos afetam. Dessa forma os acontecimentos da vida se arrastam árduos e penosos, para alguns, enquanto para outros, o colorido dos dias estão sempre cheios de oportunidades novas. O equilíbrio da mente, no entanto, exige vigilância para não cairmos nas armadilhas que os pensamentos podem nos fixar. Ninguém está livre de ver seus desejos contrariados, seus objetivos não concretizados, suas idéias deturpadas e sermos mal interpretados em nossos mínimos gestos. Todos esses acontecimentos podem criar mágoas e contrariedades que estacionam ressentimentos duradouros dentro de nós. É assim, que encontramos exemplos inúmeros de “idéias fixas” que nos aprisionam num processo de auto-obsessão. É a jovem que se prende em conquistas mundanas e quando não tem o sucesso que espera, se revolta e se atormenta sem parar. A esposa que se retém em pequenas expressões do marido, tentando achar pistas que o ciúme faz ver infidelidade. O amigo que num pequeno descuido nas gentilezas do outro, vê sinais de rejeição. A palavra que uma cunhada pronunciou e que parece revelar inveja. A traição confirmada, que recusa esquecimento e não pratica o perdão; o remorso da palavra mal colocada que uma filha não soube interpretar.O dinheiro emprestado que o parente levou com garantias que pareciam seguras.

Marido e mulher quando se separam não imaginam que pensamentos repetitivos podem atormentá-los por anos. A “idéia fixa” é um turbilhão de imagens vividas. Palavras já pronunciadas e ofensas repetidas que teimam em ir e voltar para dentro de nós.

Na verdade, ninguém vive sem esse diálogo interior. Nossas decisões racionais são sempre precedidas dessa conversa interna alimentada pelas nossas crenças. O comportamento humano também resulta da disposição interna que, por força da vontade própria, nos faz tomarmos determinada atitude. E as idéias fixas deterioram o diálogo interior e comprometem as iniciativas que alimentam a disposição de viver.

André Luiz** usa a expressão “monoidéia” para se referir a uma situação gravíssima de idéia fixa. O Espírito fica aprisionado a um único pensamento. Um desejo de vingança, uma frustração insuportável, um sentimento de culpa ou um vazio monstruoso que força o perispírito a retrair-se, descorporificando suas características humanas, para se transformar numa espécie de esporo ovóide que se assemelha a formas primitivas de vida. Aprendemos, também no livro “Mecanismos da Mediunidade” de André Luiz que nos fenômenos de “ideoplastia” a energia do pensamento constrói em torno de nós o cenário que reflete o teor dos nossos desejos. Insistir com persistência numa idéia fixa de ódio ou vingança, de preocupação excessiva com a segurança econômica ou com o comportamento dos filhos, com os títulos ou as posses dos amigos, com a partilha da herança com parentes difíceis, com os vícios que alimentam os prazeres, significa construir em nossa própria “psicosfera” o ambiente correspondente aos nossos desejos. Passamos pela vida hipnotizados ou obsidiados. Felizes ou infelizes, mergulhados no circuito mental que nós mesmos construímos.

Allan Kardec em “A Gênese” ensina que o perispírito fica “impregnado” do pensamento que transmite. É por isso que a aparência de cada um de nós revela o conteúdo das idéias que alimentam nossos desejos. A alegria aumenta o brilho dos olhos e a raiva interna envelhece precocemente. O desânimo nos arqueia os ombros e fazer o bem eterniza a juventude.

Na psicopatologia, a idéia fixa é um dos maiores tormentos que o sofrimento humano pode conhecer. Ela nos dá a sensação de que vai perdurar sem alívio pela eternidade. No livro “Os Mensageiros” de André Luiz há um “pronto socorro” de almas endividadas em que Espíritos estão sofrendo por séculos, num processo “anestesiante” que as idéias fixas congelaram no tempo. O esquizofrênico das clínicas de Psiquiatria convive com o martírio perturbador de idéias distorcidas. Tudo se refere a ele – nas idéias de referência: tudo está contra ele – nas idéias persecutórias e tudo está ao seu alcance – nas idéias delirantes. No entanto, a consciência do seu distúrbio o poupa do juízo e, talvez, ele nem saiba da extensão do seu destino. Não se pode dizer o mesmo de quem cometeu um crime ou o suicídio. Em “Memórias de um Suicida”, Camilo Castelo Branco revela que nada desse mundo apaga a idéia da arma que disparou no suicídio, da locomotiva que esmigalhou os ossos ou do vazio da queda no salto para a morte.

Nenhuma mãe esquecerá, também, o dia que abandonou o filho. O criminoso estará sempre preso ao cenário da culpa. O infiel sentirá a necessidade de resgatar a confiança perdida. O falsificador não fugirá da verdade que ele mesmo vai revelar e o ladrão terá que devolver cada centavo do que se apropriou. Até que o pensamento de cada um gere novos rumos e as idéias possam fluir, nenhuma consciência viverá em paz.

A idéia fixa reflete nossa própria insanidade. A Misericórdia Divina, porém, nos concedeu a bênção da inteligência e da razão que nos permite corrigir nossos erros. A vida é uma experiência que não poupará a ninguém dos desencantos, mas nem por isso devemos cultivar o remorso, conservar a culpa ou alimentar a desesperança.

* O autor, médico neurologista, Diretor do Instituto do Cérebro de Campinas

** Referência a André Luiz, autor psicografado da literatura espírita

Dr. Nubor Orlando Facure*