Filho de Peixe, Peixinho é!

Década de 60. Lucélia e Carlos se conhecem ainda jovens na faculdade de Medicina. Ela, uma aluna que se destaca pelo imenso cabedal teórico. Ele, dominando as atividades práticas. Logo após as primeiras aulas ambos já assessoravam os docentes e ensinavam aos colegas.

Frequentando a mesma classe e ostentando um prestígio que os distinguia dos demais, não tardam a despertar um interesse mútuo. Ajudam-se nos estudos e juntos compartilham seus momentos de folga. No íntimo, já alimentam a esperança de que a relação transcenda a universidade.

Passados alguns anos, o diploma vem junto com as alianças em uma abastada cerimônia. Na vida profissional acumulam títulos, mantendo a tradição de seus progenitores no campo da Medicina. A riqueza passa a gerar tempo para diversão e viagens, porém sem espaço para Deus. Era hora de ter filhos.

Da gravidez nascem lindos gêmeos Paulo e Carmem. “Vão ser grandes médicos”, pensam os pais convictos. Crescem em meio a brinquedos inspirados na área da saúde. Certa vez, questionada pela educação atípica dos filhos, a mãe responde: -“Serão doutores, precisam começar desde cedo”.

Paulo e Carmem chegam saudáveis a fase escolar e, para inquietação familiar, passam a se interessar pela música e pelas artes. Paulo dedilha com maestria os instrumentos de corda e decide abandonar os estudos. Carmem encena como ninguém nos palcos dos teatros e resolve se aprofundar nas artes.

“Pura decepção, como puderam fazer isso conosco?” – era o pensamento comum de Lucélia e Carlos. Já idosos, ainda não se conformam com a opção dos filhos. Fora uma desgraça para a família. Desiludidos, mas endurecidos em suas convicções materialistas, Lucélia e Carlos desencarnam acreditando que a família havia se perdido.
Paulo e Carmem seguem suas vidas, brilhando nos caminhos que escolheram. Mais tarde, resolvem buscar a Deus nas religiões e constroem suas famílias baseadas no amor e no direito de escolha.

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A crônica, baseada em histórias reais, permite algumas rápidas reflexões sobre algumas questões tratadas por Allan Kardec em O Livro dos Espíritos e na Revista Espírita de março de 1862, no que tange a parentesco e a genealogia, respectivamente.

A importância que alguns até hoje ainda atribuem à sua descendência muitas vezes se baseia na vaidade e no orgulho. De que adiante se vangloriar por ser descendente de alguém muito ilustre, encarnado décadas antes, se não fora ele o responsável pelas inclinações intelecto-morais que possuímos hoje? (1)

O corpo gera o corpo. E a alma, indivisível que é, adquire seus conhecimentos e evolui a cada encarnação que vivencia. Logo, nossa alma não é parte da alma de nossos pais ou antepassados, refletindo similaridades citadas no ditado popular “filho de peixe, peixinho é”. Nossas similaridades com os pais e parentes próximos vêm dos hábitos comuns, costumes, e exemplos seguidos. Mas cada um possui a sua individualidade e seus talentos próprios
conquistados nas diversas vidas pregressas, o que pode levar a um filho a ser totalmente diferente dos pais.

Alguns nascem com talentos surpreendentes que podem aflorar desde cedo, conforme exemplos que vemos todos os dias com crianças exibindo admiráveis faculdades. Por outro lado, esses talentos podem também ficar adormecidos em uma existência pela necessidade do espírito exercitar outras. Tudo dependerá da utilidade ao planejamento encarnatório conduzido antes do berço. (2)

Com estes esclarecimentos, o Espiritismo nos abre uma janela maravilhosa de benevolência e indulgência para com o próximo. Sabendo que nossos filhos são espíritos em evolução como nós, passamos a admirar, respeitar e acompanhar cada um dos passos com base na responsabilidade que nos foi confiada pela Providência Divina. E com eles realizamos um aprendizado mútuo, no qual o amor deve ser a luz que irá nos guiar por toda a vida.

Márcio Martins da Silva Costa.