Espiritismo não se Aprende Brincando

Sidney Fernandes – 1948@uol.com.br

Allan Kardec recebeu, como costumava fazer, com boa fé e cortesia, dois jovens recém-chegados de Moscou, que se intitulavam estudiosos do Espiritismo e queriam assistir, ao vivo, as sessões descritas na Revista Espírita.

Em flagrante desrespeito à confiança que o codificador neles depositara, tudo o que a dupla viu e ouviu acabou nas páginas de um Jornal de São Petersburgo — Doukhownaia Beceda — de forma deturpada, caluniosa e difamatória.

A partir daí o mestre lionês passou a controlar, ao máximo, o acesso de estranhos à Sociedade Espírita de Paris, principalmente os trapaceiros, tanto encarnados, quanto desencarnados.

Não tardaram a surgir indivíduos que se diziam espíritas, criticando a severidade e o rigor com que Kardec passou a conduzir as admissões de ouvintes e participantes das reuniões mediúnicas. Argumentavam que os estudos eram demasiadamente profundos e excessivamente sérios e que o dirigente deveria ser mais moderado e permitir mais novidades na condução do grupo espírita.

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Isso me faz lembrar, amigo leitor, antigo episódio, narrado por Hilário Silva, em que elegante senhora aproximou-se de Leopoldo Cirne, que acabara de interpretar certa passagem do evangelho, em reunião pública espírita.

— Senhor Cirne. Tenho buscado praticar a Doutrina Espírita por todos os meios ao meu alcance, mas é impossível.

— É um freio a corrigir-nos e um aguilhão a impulsionar-nos… Uma voz gritante na consciência a todos instante e uma disciplina que não acaba… Doutrina de retificações incessantes e obrigações sem limites…

E mirando os olhos claros do interlocutor, acentuou:

— Que me diz o senhor sobre isso?

E Cirne respondeu, imperturbável:

— Como é que a senhora queria que ela fosse?…

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Na Revista Espírita de maio de 1861, Kardec, que não se preocupava com a quantidade de frequentadores da sociedade, assim se expressou:

Por outro lado, sabemos, por experiência, que a verdadeira convicção só se adquire pelo estudo, pela reflexão e por uma observação contínua, e não assistindo a uma ou duas sessões, por mais interessantes que sejam. E isto é tão verdadeiro que o número dos que creem sem ter visto, mas porque estudaram e compreenderam, é imenso.

— Eis por que dizemos: estudai primeiro e vede depois, porque compreendereis melhor.

 

Era compreensível esse raciocínio. Kardec queria ouvintes sérios, ao invés de curiosos, ainda mais se fossem levianos ou mal-intencionados.

Não por acaso, proferiu uma frase que deveria servir de guia e reflexão a todos que venham a se propor a conhecer o Espiritismo:

O Espiritismo é uma ciência e, como qualquer outra ciência, não se aprende brincando.

Kardec acolhia com prazer e dedicação as pessoas sinceras e de boa vontade, sérias e com desejo de aprender. Por outro lado, procurava se precaver contra os que se diziam espíritas, mas não o eram, verdadeiramente, malgrado suas aparências.

São talvez espíritas crentes nos fatos, mas, sem a menor dúvida, não são espíritas crentes nas consequências morais dos fatos, pois, ao contrário, mostrariam mais abnegação, indulgência, moderação e menos presunção de infalibilidade.

Para esses e outros que criticavam o aprofundamento dos temas de estudo da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, a qualidade e a seriedade de suas reuniões, seria o caso de, como Leopoldo Cirne, Allan Kardec a eles indagar:

— Como é que os senhores queriam que o Espiritismo fosse?

Pelos esforços, pela prudência e pelo exemplo que o codificador deu, enquanto estava encarnado, ao dirigir com pulso forte os destinos do Espiritismo, nós, espíritas dos tempos atuais, precisamos nos compenetrar da necessidade de união e fidelidade à pureza doutrinária.

Evitemos praticar o Espiritismo à moda da casa, honrando os princípios que professamos. A teoria e a prática que tanto pregamos deverão estar condizentes com esses alicerces fundamentais.