Doenças Psíquicas e a Falta de Educação para Viver

Reza a lenda que se colocarmos um sapo em um taxo com água fria, acendendo a chama de um fogo embaixo do recipiente, o anfíbio não reagirá ao gradual aquecimento, morrendo cozido, calmamente.  Entretanto, se lançarmos o pequeno animal direto em água fervente, dará um pulo, assustado, saltando para fora da panela. O que parece é que o sapo não se dá conta das alterações de temperatura da água (mudanças de ambiente) e morre, alienado e feliz. Por vezes me pergunto se não estamos sendo “cozidos”, como o sapo desatento.

Acontece que nunca estivemos tão doentes da mente, embora já consigamos viver por mais tempo. E esta dura realidade causa um aumento vertiginoso nas vendas de medicamentos, principalmente dos psicotrópicos. Podemos até apresentar corpos sarados, rostos lisos, órgãos funcionando, mas nossas mentes parecem caminhar por outras veredas. Isso quando a somatização não completa o trabalho, levando ao corpo aquilo que foi construído primeiramente no psiquismo. Isso talvez signifique que também nunca estivemos tão alienados de nós mesmos. No livro No Mundo Maior, o Espírito Euzébio, no final de uma palestra no plano espiritual, comentando sobre desdobramentos históricos da raça humana, explicou:

“Foi assim que atingimos a época moderna, em que a loucura se generaliza e a harmonia mental do homem está a pique de soçobro. De cérebro evolvido e coração imaturo, requintamo-nos, presentemente, na arte de esfacelar o progresso espiritual. (…) Empenhados em disputas intermináveis, em duelos formidandos de opinião, conduzidos por desvairadas ambições inferiores, os filhos da Terra abeiram-se de novo abismo, que o olhar conturbado não lhes deixa perceber. Esse hiante vórtice, meus irmãos, é o da alienação mental, que não nos desintegra só os patrimônios celulares da vida física, senão também nos atinge o tecido sutil da alma, invadindo-nos o cerne do corpo perispiritual. Quase todos os quadros da civilização moderna se acham comprometidos na estrutura fundamental. Precisamos, pois, mobilizar todas as forças ao nosso alcance, a serviço da causa humana, que é a nossa própria causa.”  (LUIZ A., citando EUZÉBIO,  1947, p. 14)

Realmente temos recebido um número cada vez maior de pessoas nas clinicas psicológicas e psiquiátricas. Parece que Euzébio, já nos idos de 1947, falava sobre algo nascente, que  viria a se tornar uma verdadeira epidemia.

Em 1952, o DSM (Diagnostic and Statistical Manual) que cataloga e classifica distúrbios mentais, listou 112 distúrbios, em sua estreia.  Depois, o numero saltou para 182 (em 1968). Em 1994 já tínhamos 297 . Hoje em dia, no DSM -V, o número de doenças diagnosticadas elevou-se para 450.

Muito se fala em transtorno de pânico e grande parte da população está utilizando drogas que atuam diretamente no sistema nervoso central, a fim de amenizarem os sintomas físicos de seus conflitos psíquicos.  Insônia, fobias, angústias, depressão são parte dos resultados colhidos pela humanidade, em tempos como estes. Na década de 80, os psiquiatras calculavam que um em cada dez norte americanos estava mentalmente doente. Na década de 90, seriam um para cada dois. Segundo MOREIRA (p. 317), “os números não param de aumentar. Cerca de 1/6 da humanidade já apresenta algum distúrbio psicológico ou psiquiátrico. Quer isso dizer que uma em cada quatro famílias tem pelo menos um membro com tais distúrbios. A tendência aponta para o crescimento, e, pior, em direção a idades cada vez mais baixas”.

O Dr Rudiger Dahlke,  em seu livro intitulado “Qual é a doença do mundo? Os mitos modernos ameaçam nosso futuro” traz a informação que, segundo a OMS [Organização Mundial de Saúde], dos anos 20 para cá, “as enfermidades cardiovasculares aumentaram quatorze vezes, as reumáticas, dezesseis vezes; o câncer, vinte vezes; a obesidade, 35 vezes; o diabetes, 56 vezes; a esclerose múltipla, 59 vezes; as alergias, setenta vezes; e a doença de Alzheimer, 89 vezes. De 1956 para cá, dobrou o número de afetados pela depressão”.

Outra situação já considerada de forma epidemiológica é a drogadição. Vários governos alardearam que a luta contra este fenômeno está perdida. Drogas novas são lançadas no “mercado” a todo o momento, muitas delas baratíssimas, a preço de pouquíssimo dinheiro, a dose.  Os pais e familiares são muitas vezes pegos de surpresa com a notícia de que seus filhos estão envolvidos nesta perigosa armadilha. Isso quando não são os próprios pais a se drogarem, dando péssimos exemplos. [Lembrando que o álcool entra no hall das drogas licitas que mais matam no mundo…]

O que estes dados tem a nos dizer, para além da existência de um profundo sofrimento e desespero de um número cada vez maior de pessoas?

Que estamos vivendo mal e também morrendo mal. Que temos aprendido sobre muitas coisas das ciências, do mundo dos negócios, dos esportes, da nutrição, das profissões, das baladas e dos botecos, em um mundo de enorme rapidez nas informações (e fluidez nas relações), mas que tais aprendizagens pouco ou nada nos ajudam quando precisamos de ferramentas para lidar com a vida em seus múltiplos aspectos, com o cotidiano emocional, relacional, com as demandas existenciais, em suas mais variadas formas e nos mais variados contextos. Aprendemos a ser bons nos jogos materiais, sem construirmos a ginga necessária para a dança da existência.

Recordando a questão do sapo, parece que podemos até perceber que estamos num taxo com água, mas sem nos darmos conta de que a temperatura está ficando alta, muito alta…

Nesta sociedade de normóticos*, vivemos como se fôssemos imortais,  dentro de uma visão individualista, materialista e consumista de existir, destacados do meio, acreditando-nos independentes e onipotentes. Nossas escolas nos inundam com conteúdos para vestibular, negando discussões filosóficas, tão urgentes e necessárias. Permitem pequenas pitadas de artesanato, -rotulado de “artes” – com raras propostas de genuína criatividade.

A questão exposta até aqui é obvia, embora invisível para muitos.

Tamanha alienação que sequer percebemos este adoecer, tampouco suas causas mais profundas. Levamos os dias, acreditando ser “normal” carregar nas bolsas mais uma cartela de Fluoxetina (para conquistar um sorriso no rosto), Rivotril (para uma noite inteira de sono) ou Lexotan (para acalmar os ânimos). Dependendo da situação, o benefício desejado deverá ser conseguido a custo de indutores químicos, com seus efeitos colaterais diversos e inegável anestesiamento sobre as questões fundamentais da própria existência do indivíduo. Exatamente como prefere a indústria farmacêutica, aliás.

Neste circuito destrutivo, surge a pergunta: “O que estamos fazendo de nós mesmos?”

E, quando conseguirmos a resposta almejada, surge outra questão: “O que podemos fazer sobre isso?”

Há mais de uma década a Associação Brasileira de Pedagogia Espírita vem carregando a bandeira da educação integral – aquela que enxerga o humano em todos os seus aspectos, que contempla todas as suas necessidades. E isso é muito maior do que aquilo que o Estado obriga seja ensinado para nossas crianças e adolescentes, ou mesmo o que pais e outros educadores tem repassado, no cotidiano das relações com eles. Uma educação libertadora, que promove a autonomia, que instiga a criticidade, que empodera o educando, pois inclui em seus roteiros elementos essenciais para um bom viver. Precisamos falar sobre a vida e sobre a morte. Sobre nosso adoecimento (mental e físico) e possibilidades de cura. Sobre sistemas criados e vividos pelos humanos e que destroem humanos (mas não apenas estes).

E estas discussões (infelizmente!) não são fomentadas nas escolas. No Ensino Médio deveríamos falar sobre mecanismos psíquicos muito mais que Ótica, por exemplo. Afinal, é certo que precisaremos nos relacionar (com um mínimo de qualidade) e viver diversas experiências na vida, sendo que a Psicologia poderia nos ajudar muito mais que os cálculos e fórmulas da Física que foram decoradas um dia antes das provas (e esquecidas no mesmo instante da entrega destas, por grande parte dos alunos).

Educarmo-nos para a vida e para a morte, portanto, significa muito mais que nos encharcarmos com conteúdos científicos e tecnológicos, mas nos permitirmos provocar em um caminhar reflexivo, amplo, profundo e real.

Pois a vida é muito mais que uma profissão, claro.

Pena que nós, os homo-sapo-sapiens, ainda não percebemos isso…

Claudia Mandato Gelernter

* Normose é um conceito de filosofia para se referir a normas, crenças e valores sociais que causam angústia e podem ser fatais, em outras palavras “comportamentos normais de uma sociedade que causam sofrimento e morte”.[1] Dessa forma os indivíduos que estão em perfeito acordo com a normalidade e fazem aquilo que é socialmente esperados acabam sofrendo, ficando doentes ou morrendo por conta das normoses. (Fonte: Wikipedia)

Referências Bibliográficas:

DAHLKE, R. Dahlke; “Qual é a doença do mundo? Os mitos modernos ameaçam nosso futuro”, Cutrix, São Paulo, 2000.

MOREIRA, D. “A Grande Transição da Terra: O Sentido de Urgência”, São Paulo, Lúmen Editorial, 2012.

XAVIER, F. C. Ditado pelo Espírito Espírito de André Luiz; “No Mundo Maior”, 12ª ed. Rio de Janeiro, FEB, 1947.