Carnaval é Pecado?

Sidney Fernandes 1948@uol.com.br

Por volta dos anos setenta e oitenta, Richard Simonetti e eu percorremos várias cidades brasileiras proferindo a palestra Função Social do Evangelho. A tônica principal do tema era a pergunta: O que faria Jesus se estivesse em meu lugar?

Em dado momento da conferência, Richard abordava o tema carnaval, de maneira intencionalmente radical, criticando com veemência as festividades momísticas.

— O carnaval é uma festa perniciosa — comentava Richard. O número de acidentes e de mortos registrado nesses dias, somado aos dramas passionais, jovens seduzidas, remorsos desajustantes e as monumentais ressacas que não raro disparam complicadas moléstias, seriam mais que suficientes para justificar a proibição dessa autêntica loucura coletiva.

Era a minha deixa para irromper, da escuridão da plateia, para surpresa dos presentes, e apresentar inusitada defesa da festa popular, como se eu fosse um ferrenho intruso.

— Não é bem assim, Richard — começava eu, vindo do meio do público. Afinal, o carnaval é uma festa do povo, em que as tensões acumuladas durante o ano se desintegram ante a alegria contagiante dos corações.

— Falou bonito — dizia Richard de forma propositadamente irônica. Você diria melhor alegria artificial das libações alcoólicas, porquanto sem a anestesia da consciência pela bebida, raros se aventurariam a participar do reinado de Momo. Os espíritos viciados chegam a promover perigosas obsessões, iniciando jovens em lamentáveis aventuras com tóxicos.

— Ora, Richard — voltava eu a argumentar naquele insólito diálogo ensaiado. Se eu entro num salão de carnaval apenas para distração, sem alcoólicos, sem intenções libidinosas, guardando respeito e compostura, jamais serei envolvido pelas sombras.

— E também não vai pular carnaval — dizia Richard, mantendo a posição extremista, correlacionando o carnaval com álcool, sexo e drogas. Esse moço — referindo-se a mim — vai para o salão de carnaval com o evangelho na mão. Vocês acham que ele vai se divertir no carnaval? — dizia ele, colocando o público contra mim.

Richard encerrava o teatrinho, voltando à posição de orador, dizendo que nossa discussão seria interminável e que o melhor mesmo seria não proibir a festa e sim esperar que as pessoas assumissem postura mais madura sobre o assunto. Destacava, ainda, a sua esperança de que, no futuro, os entusiastas pelo carnaval passassem a se utilizar das folgas desses dias para compor equipes de trabalho em favor de famílias necessitadas ou de estudo em torno de problemas comunitários e sociais.

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Imaginaria o grande escritor e orador, mais de trinta anos atrás, que algumas de suas previsões começariam a se concretizar?

Em pleno carnaval, grupo de profissionais — advogados, engenheiros, médicos, motoristas, dentistas, pedreiros e marceneiros voluntários — constroem, em tempo recorde, em terrenos de propriedades de idosos carentes, casas pré-fabricadas. Na quarta-feira de cinzas, essas pessoas, que moravam em barracos, passam a ter casas novinhas em folha, prontas para serem registradas em cartório como suas.

Imaginaria Richard, naquela época, que, em pleno século XXI, um prefeito de cidade do interior paulista destinasse a verba que seria utilizada para escolas de samba para a aquisição de medicamentos para um hospital de tratamento do câncer, sob os aplausos e concordância da opinião pública?

Simonetti ficaria feliz também ao saber que jovens católicos, espíritas e evangélicos reuniram-se durante as festas momísticas, em concentrações, retiros culturais e orações conjuntas, além de poderem visitar museus, que ficaram abertos durante os dias de folia, em verdadeiros carnavais alternativos.

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A Doutrina Espírita não considera pecado o carnaval, mas, da mesma forma que Richard Simonetti sempre esperou, aguarda serenamente que as motivações das sociedades futuras sejam direcionadas para a racionalização e ajustes das circunstâncias e ideias em torno das necessidades essenciais do ser humano.

Por isso, a mais importante atitude que devemos adotar, não apenas durante os dias de carnaval, mas durante as nossas vidas, é a do ajustamento aos padrões éticos do Evangelho, que sintetizam a conduta mais adequada para o ser humano.

Diria Simonetti:

Na medida em que a Boa Nova comandar nossa vida, saberemos o que fazer, participando das atividades sociais apenas quando elas puderem fazer parte de nosso empenho em favor de um mundo melhor.

Encerraria, perguntando:

— O que faria Jesus se estivesse em meu lugar?