As Tragédias e o Inevitável Risco de Viver

“Mas daí a se acreditar que todas as circunstâncias da vida estejam submetidas ao que se usa chamar de fatalidade, há uma grande diferença. Se fosse assim, o homem seria apenas um instrumento passivo, sem livre-arbítrio e sem iniciativa e, neste caso, só lhe restaria curvar a cabeça aos golpes dos acontecimentos, sem procurar evitá-los; não tentaria procurar desviar-se dos perigos. No entanto, Deus deu ao homem a razão e a inteligência para utilizar-se delas, deu-lhe a vontade para querer; a atividade para ser ativo.” (Cap. 27, item 6 do Evangelho Segundo O Espiritismo).

Para quem concebe a existência humana como uma programação em tudo planejada e rigorosamente executável (determinismo), as tragédias, sejam naturais ou resultantes da invigilância humana, se afiguram como inafastáveis. Se a essa concepção juntarmos a crença em deuses ou forças inteligentes invisíveis dotadas de um draconiano sentimento justiceiro, os episódios amargos de uma existência serão tidos sempre como penas diretamente aplicadas às respectivas vítimas.

As catástrofes naturais, as ações e omissões humanas, tudo estaria direcionado a perpetuar e a justificar uma infindável sucessão de castigos.

Trazendo a tese à nossa realidade recente, os crimes mais abjetos, as catástrofes da natureza, os dramáticos acontecimentos recentes de Mariana e Brumadinho, os incêndios que vitimaram os jovens da Boate Kiss, de Santa Maria, e os atletas adolescentes do Flamengo, a fome que grassa em países subdesenvolvidos, todas as tragédias, nada mais seriam que castigos impostos às suas infelizes vítimas, por erros cometidos no passado. Nem seriam vítimas, mas justiçados!

Esse fatalismo, assim examinado numa perspectiva reencarnacionista rasa, é extremamente cruel e nada pedagógico. A reencarnação, vista sob um olhar racional e efetivamente progressista, evolucionista, é, mais do que tudo, um processo educativo.

Contempla o erro como resultante da ignorância – “Ninguém é deliberadamente mau”, advertiu Sócrates – e oportuniza àquele que fez escolhas erradas novas chances de progresso, mediante uma vida produtiva, mesmo que com desafiadores e imprevisíveis obstáculos.

Tragédias não punem. Ensinam. Previnem. Alcançam culpados que, ante sua ocorrência, podem refazer e retificar caminhos. Mas, estendem seus efeitos também a quem não concorreu com sua causação. A humanidade é uma só e frequenta a mesma escola. Juntos, todos melhor aprenderão a ler nos eventos da vida proveitosas lições, capazes – ou ainda não – de evitar futuras ocorrências.

Ademais, tais eventos oferecem boas oportunidades do exercício da solidariedade, da cooperação mútua, da compaixão. Outra lição, não menos importante, leva-nos a entender que a vida, no mundo material, é feita de riscos, nem sempre evitáveis e tampouco previsíveis.

Até porque aquilo hoje visto como terrível tragédia, no curso da vida maior, a do espírito imortal, irá figurar como mero acidente inerente ao risco de viver.

Não é rigorosamente certo dizer que o acaso não existe. Aos acasos devemos singulares episódios, tanto no campo biológico, como no processo de avanços sociais, assim como no desenvolvimento espiritual e no da aprendizagem. A natureza também se vale deles, na sua inteligente trajetória em busca do útil, do bom e do belo.

A insegurança, a indeterminação, os riscos, enfim, fazem parte do processo da vida. Importante será colhê-los, todos, como elementos de aprendizagem, desafios aptos a modificações úteis à vida de relação, à nossa interface com a natureza e com o desenvolvimento da vida no rumo de dimensões mais plenas.

É equívoco pretender tudo explicar mediante o processo linear culpa/castigo. Mais racional será admitir que tudo, rigorosamente tudo, concorre para despertar nossa responsabilidade comum acerca do presente e do futuro de nossa própria existência, da de nossos companheiros de jornada e, enfim, do destino saudável do planeta que temporariamente nos acolhe.

Editorial do CCEPA OPINIÃO – Centro Cultural Espírita de Porto Alegre