Adotei  8 crianças. Me chamaram de Louco

No coração do jornalista e microempresário Éderson Flávio Ribeiro, 43 anos, de Taubaté (SP), parece sempre haver espaço para mais um filho.

Ao longo de sete anos, ele adotou oito meninos, alguns deles com histórias de vida tristes e que tinham sido devolvidos aos abrigos, após tentativas frustradas de adoção.

“Homem também tem instinto paterno”

Depoimento de Éderson, o pai adotivo:

Muitas pessoas pensam que somente as mulheres desejam ter filhos. Mas homem também tem instinto paterno.

Acho que grande parte desse desejo veio do fato de meu pai ter se separado da minha mãe quando eu tinha 13 anos e de me lembrar da falta que ele fez e de como sua ausência doeu nas formaturas, Dia dos Pais, Natais e outras datas importantes.

Então, em 2002, comecei a ter sonhos recorrentes nos quais eu via um menino. Os sonhos continuaram acontecendo e duraram quatro anos. Aquilo realmente chamou minha atenção, pois eram bastante repetitivos.

“Diziam que seria impossível eu adotar”

Foi aí que comecei a visitar abrigos de crianças, em uma tentativa de encontrar e adotar aquele menino, porém, muitas portas se fecharam na minha cara.

Acabei descobrindo que muitos adolescentes iam parar nas ruas porque, assim que completavam 18 anos, eram expulsos dos abrigos. Então, uma amiga me contou sobre o Anderson, um rapaz que estava desesperado, pois passava exatamente por essa situação e logo não teria onde ficar. Ele não queria ser adotado, mas decidi acolhê-lo por um tempo.

“Reconheci o menino dos meus sonhos”

Quando cheguei ao abrigo para conhecer o Anderson, senti algo muito forte. Enquanto conversávamos, outro menino começou a correr perto de nós. Ao olhar para trás, o reconheci. Era o garoto que sempre via nos sonhos. Seu nome era Eduardo e tinha 13 anos.

Curioso, fui conversar com o psicólogo do abrigo para saber se ele poderia ser adotado. Foi aí que soube que ele estava lá desde os seis anos de idade e havia sido devolvido três vezes. Nas duas primeiras, as mães conseguiram engravidar e desistiram da adoção. Na terceira, o marido era alcoólatra e o conselho tutelar pediu que a mãe adotiva escolhesse entre ele e a criança, mas ela preferiu ficar com o marido.

“Perguntaram se eu queria adotar mais um”

Tornei-me colaborador daquele abrigo de onde os meninos vieram. Fazia visitas e doação de brinquedos. Passados três meses da adoção, os funcionários me ligaram para falar sobre o Jean, um menino de quatro anos que estava sofrendo bullying das outras crianças por ser muito bonzinho. Perguntaram se eu estaria interessado em adotá-lo também, pois ninguém estava. Não resisti.

Passados três meses, Jean vinha se juntar aos irmãos adotivos para iluminar a casa.

Um tempo depois, os funcionários me ligaram novamente para falar sobre o Bruno, na época com 11 anos, e Rafael, que tinha 13. Não preciso dizer que ambos vieram fazer parte da família também e lá estava eu com cinco filhos.

“Abracei a causa da adoção tardia”

Por minha própria experiência e por ver tantas crianças e adolescentes totalmente esquecidos nos abrigos, abracei a causa da adoção tardia e me tornei palestrante em grupos de apoio à adoção.

Certa vez, fui participar de um evento em São Paulo e fiquei sabendo de dois irmãos que estavam em Guarapuava, no Paraná, Luiz Fernando, 18, e Rodrigo, 14. Eles também haviam passado por experiências dolorosas e tinham sido devolvidos.

Senti que precisava fazer algo a respeito e perguntei aos meus filhos o que eles achavam. Eles disseram: ‘ah, pai, onde cabem cinco cabem sete’. Lá fui eu para Guarapuava em uma viagem que durou 15 horas. Entrei com o pedido de guarda e levou seis meses para a adoção sair.

Agora tinha sete filhos.

Quando o Rodrigo fez 18 anos, eu o levei de volta a Guarapuava para visitar os amigos e as tias do abrigo. Ao chegar lá, um rapazinho me chamou para conversar e disse que queria muito ser adotado. Falou que comia pouco e que dormiria no sofá. Não tinha ido lá para adotar ninguém, mas ele estava pedindo socorro. Mantivemos contato por um tempo, conversei novamente com meus filhos e decidimos que sim. Brinco que Kelvin, que na época estava com 15 anos, é ‘o último dos moicanos’, meu oitavo filho. Pelo menos, por enquanto.

“As pessoas achavam que eu era louco”

Nunca pensei nas dificuldades que enfrentaria ao fazer as adoções.

Pensava que tinha condições de trabalhar e de sustentar a casa, então não havia motivo para não fazer. As pessoas achavam que eu era louco, por isso sempre tomei as decisões sem ficar falando para ninguém.

Já ouvi piadas de mau gosto, comentários negativos a meu respeito e até duvidaram do meu caráter, mas não me importo, meus filhos sabem quem eu sou e isso basta. Sempre os orientei sobre o preconceito da sociedade e ensinei que deveriam estar preparados para lidar com a maldade dos outros.

Durante esse tempo todo, tive apenas relacionamentos curtos, assim que as namoradas descobriam quantos filhos eu tinha, sumiam.

 Perdi a conta de quantas esposas quiseram me arrumar, mas a minha prioridade são meus filhos e trazer uma mulher para casa tiraria a liberdade deles.

“Perdi três empregos para não perder a guarda”

Cada vez que um filho era adotado, começava a vigilância da assistência social que durava de um ano a um ano e meio. Eles faziam visitas-surpresa na minha casa para saber se estava tudo bem, ligavam na escola para saber se os meninos estavam estudando e queriam saber se eu tinha condições de sustentá-los. Não foi fácil.

Perdi três empregos por isso, pois, quando me ligavam, diziam que estavam na porta de minha casa e tinha que largar tudo para ir atendê-los.

Já fui garçom, faxineiro, entregador de panfletos e já fiz muita permuta para que os meninos pudessem estudar. Houve momentos em que precisei conciliar três empregos. Se o curso não era gratuito, faxinava a escola em troca das aulas e assim eles puderam fazer informática, por exemplo.

Meus filhos cresceram, uns já se formaram, outros ainda estudam e alguns trabalham para me ajudar. Ainda moram comigo o Jean, hoje com 13 anos, Rafael, 20, Eduardo, 22, e Bruno, 18. Hoje eu tenho uma microempresa de eventos e meu escritório é em casa. Faço festas, casamentos e formaturas e espero fazer minha empresa crescer mais.

Fonte: Folha de São Paulo